Ênio Silveira, grande figura do mundo editorial, ao ser entrevistado em 1990 para a coleção Editando o Editor da Com-Arte e Edusp, lembrou-se da caracterização do dilema vivido por todo bom editor feita por Orígenes Lessa no livro O Feijão e o Sonho, dizendo assim: “Se ele se dedica só ao feijão, ele não é bom editor. E se ele se dedica só ao sonho, ele quebra a cara muito rapidamente, numa sociedade capitalista ele está fadado ao insucesso. O contraponto feijão/sonho é que dá a justa medida da qualidade de um editor”.
Ênio Silveira (1925 - 1996) |
Ênio se refere a um tempo no Brasil em que as editoras – grandes ou pequenas - eram empresas familiares, geridas e administradas por uma equipe escolhida e comandada por um único chefe – o dono da empresa. Era ele, em última instância, que aprovava o desempenho econômico da empresa e o balanço entre o sonho e o feijão que almejava.
Nas últimas décadas, a reboque dos preceitos do neoliberalismo, da globalização e do aprofundamento da lógica do mercado, o cenário editorial começou a mudar com o fortalecimento do modelo empresarial que domina há tempos vários outros setores da economia. E, atualmente, grandes conglomerados empresariais orientam o mundo dos livros. São Sociedades Anônimas – grupos empresariais que contam com o aporte de capital de acionistas para o desenvolvimento e manutenção de suas atividades, e que, em contrapartida, dividem seus lucros com eles. Aos acionistas não importa os meios, desde que lícitos, que a empresa utiliza para ganhar dinheiro. Eles investem dinheiro apenas para vê-lo aumentar. As editoras que pertencem a esses grupos podem ser empresas de capital limitado, mas mesmo assim estão submetidas ao crivo econômico dos acionistas que apostam nas suas controladoras.
Ao contrário do que podia ocorrer no modelo de gestão familiar, atualmente a existência da empresa se justifica e se pauta apenas pela busca ao “feijão”. E, embora essas empresas mantenham selos de qualidade, eles estão ali apenas para lhes garantir alguma credibilidade como empresas de interesse cultural, além, é claro, de proporcionar alguns ganhos no nicho de mercado de consumidores mais exigentes.
O que interessa aos grandes conglomerados editoriais são os livros de grande vendagem, entre eles os best sellers. O lançamento desses livros é minuciosamente planejado para seduzir o comprador e conta com o apoio da mídia impressa e televisiva, muitas vezes sob controle do mesmo grupo que controla a editora.
Esse modelo gera uma competição completamente desigual e o que se vê é algumas editoras médias e pequenas optando por traduzir best sellers lançados por gigantes estrangeiras ou por se associarem entre si em pequenos aglomerados editoriais, com selos dedicados a ganhar migalhas no rastro do marketing e publicidade das gigantes, lançando livros tão semelhantes aos delas que chegam a ter capas que podem confundir o consumidor desprevenido, afoito pelo livro da moda.
O formato atual da Bienal está de acordo com esse modelo. A Câmara Brasileira do Livro, organizadora do evento, é uma entidade que pretende representar editoras de todos os tamanhos. Mas, ao se deixar levar pelo modelo em voga, reforça, por um lado, a atuação dos grandes grupos deixando as pequenas e médias editoras à sua própria sorte e, por outro lado, perde a oportunidade de colocar o público jovem em contato com outro tipo de literatura além da que ele já é assediado por amplas campanhas publicitárias. O evento torna-se um promotor de vendas daquilo que já é amplamente vendido. É a linguiça que faltava no feijão dos obesos.
Verônica Bercht
27/08/2012
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